|
TOUR PELO MUNDO
TOUR PELO MUNDO
Marcelo Carneiro da Rocha
A Bélgica é o berço das cobiçadas cervejas do estilo Ale, país onde os padres produzem e consomem cerveja da melhor qualidade, em velhos, mas charmosos mosteiros.
A primeira cervejaria que visitei, em Wambeek, nos arredores de Bruxelas , foi a De Troch, uma pequena fábrica que mais parecia uma fazenda, mas que produzia com orgulho e savoir faire uma autêntica Gueuze, cerveja de fermentação espontânea surpreendente. Fabricar cerveja sem adicionar levedura foi a idéia mais estranha que poderia ter passado pelos meus neurônios naquele momento, mas, o cervejeiro tarimbado e paciente, como que lendo meus pensamentos me explicou com detalhes seus segredos de fabricação. "O fermento esta aí", disse ele, que com um gesto largo abarcou toda sala de brassagem e apontou para o teto, como se o mundo inteiro fosse feito de fungos.
Para aumentar ainda mais o meu espanto, o cervejeiro da casa narrava, que no ano passado a rigorosa Vigilância Sanitária belga os obrigou a pintar as paredes, e o resultado foi que a melindrosa levedura voadora recusou-se a trabalhar por duas semanas. Depois desta exótica e instrutiva visita fomos ao escritório, degustar a variada linha de cervejas da De Troch.
Comercializadas sob a marca Chapeau, essa cervejas são todas variações de uma mesma receita de trigo maturada, adicionada de suco natural concentrado e aromas de diferentes frutas. Normalmente, os apreciadores tradicionais torcem o nariz para este tipo de combinação - eu particularmente achei que a Kriek (cereja) e a Mirabelle (pequena ameixa européia) eram muito saborosas.
explicava que também vinha de uma velha família de cervejeiros, que até meados dos anos 70/80 possuía uma das maiores cervejarias da Bélgica, a Ginder Ale. Esta cervejaria foi então comprada pela Interbrew (hoje Interbev), e posteriormente colocada fora do mercado, repetindo uma triste prática que até hoje persiste no mercado cervejeiro. Mas, voltando a Paul Vansteemberg, logo ao chegar a Bios não pude deixar de simpatizar com a figura aberta e bem humorada que é o Paul. Imediatamente ele nos levou a parte mais antiga da fábrica que como na maioria das pequenas e médias cervejarias belgas, permanece intocada, como um belo museu com seus domos oxidados de cobre e tinas abertas de fermentação.
Depois deste nostálgico tour, foi a vez de conhecermos a moderna sala de brassagem, toda computadorizada e em reluzente aço 304, além de ostentar equipamentos alemães da Steinecker, o equivalente à Mercedes das cervejarias. O animado Paul demonstrou então o funcionamento dos computadores e discorreu amuado sobre os fatidiosos controles do fisco belga e os problemas
de distribuição. Pareceu-me então que os problemas da nossa tão antiga profissão realmente só mudam de endereço, porque permanecem os mesmos no mundo todo. Após nos mostrar as caves de fermentação, chegamos finalmente à área de engarrafamento, e aí tive uma grande surpresa.
Nunca, nos meus sonhos mais delirantes, esperei encontrar uma variedade tão grande de cervejas diferentes em um único processo de engarrafamento. Paul explicava que para fazer face aos gigantes do mercado, fabricavam mais de 30 rótulos diferentes, entre os seus e os terceirizados, destacando a St. Augusteen, Golden Drag, Westmalle (brune) e Piraat.
Desagradam-me um pouco esses tristes simulacros, mas se forem bem feitos, menos mal, o que se há de fazer se o mundo prefere a aparência à legitimidade.
Na De Koninck fomos recebidos por um guia, que além de entender muito de cerveja possuía um discurso superafinado com o meu. Durante uma hora discorremos sobre a história da cerveja, nossas preferências, métodos de fabricação e etc. Para um amante de cerveja, como eu, era como estar no céu ... Discutir sobre cerveja na Bélgica é como falar de vinhos na França, ou comentar sobre uma partida de futebol no Brasil. As opiniões podem divergir, mas todos falam com paixão e conhecimento da mesma causa.
Depois de visitar a moderna e limpíssima fábrica da De Koninck voltamos ao bar da fábrica, onde um sorridente prático-cervejeiro nos trouxe uma amostra de levedura de alta fermentação para degustar. Para mim não era uma experiência nova. Essa pasta viva possui muitas vitaminas, principalmente as do complexo B, e em muitas cervejarias é vendida para indústrias farmacêuticas como um subproduto. O sabor, se não é espetacular, também está longe de ser desagradável, só não recomendo a experiência a intestinos delicados.
Quando já nos preparávamos para sair eis que surge Dominique, proprietário e administrador da cervejaria. Extremamente afável, ao saber que um de seus visitantes era brasileiro, convocou imediatamente Bernard, seu irmão e cervejeiro da fábrica, um apaixonado pelo Brasil que se sente feliz em escapar do clima chuvoso da Bélgica para passar suas férias nas nossas praias do Nordeste. E sabe que Bernard tem razão? |